quinta-feira, 8 de abril de 2010

Águas que movem moinhos nunca são águas passadas - Celso Sisto - Parte 2

FONTE 2 - ÁGUAS DE MAR

Uma política de leitura deveria partir sempre da pergunta: pra que ler?

SEGUNDA CONCLUSÃO: ler então deve criar no outro a perspectiva do crescimento, do uso, da melhoria, da interferência na realidade concreta. Lê-se para poder interferir na realidade, em última análise. A leitura nos devolve a realidade, parece contraditório! A leitura nos encharca de realismo!

Guimarães Rosa, no conto “Nós, os temulentos” diz que dormir é desaparecer de si mesmo. E ler? Ler é estar desperto, apesar de estar suspenso, navegando nas águas do mar de histórias, sem afogar-se, para que cada um continue sendo um, sendo todos.
Nesse mar, as ondas são altas... Lá vem uma! Em forma de pergunta!

Quando eu me torno um verdadeiro leitor?
Desconfio que essa composição de Caetano e Gil pode nos ajudar na resposta....

HAITI
Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

Pois um programa de leitura é isso: perceber/denunciar a ordem das coisas. É possibilitar a dignidade e fazer emergir direitos e deveres sem propinas. É poder dizer, ao contrário do Caetano, “Todos, todos, sem exceção, todo mundo é cidadão”

Ler também é desencravar o que vai dito por baixo das palavras.
Ler é também perceber a superfície e a profundidade.

Então, um programa de leitura tem que ter ações diferenciadas, para leitores diferenciados. Não dá pra acachapar/reduzir tudo a uma coisa só.

O leitor precisa amadurecer, e de fato amadurece, quando começa a fazer ligações, quando começa a perceber as conexões da leitura com o mundo, com a sociedade, com o coletivo. Quando o comprometimento com o outro aparece e, enfim, emerge o ser social.

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