quarta-feira, 7 de abril de 2010

Águas que movem moinhos nunca são águas passadas - Celso Sisto - Parte 1

Para responder à pergunta: o que é um Programa de Leitura - diversos olhares
Pra mim água é a força invencível do mundo. E elemento vital.
Quero associá-la à leitura; leitura é a força invencível do mundo.
Um programa de leitura é um elemento vital na formação e emancipação do sujeito.
Por enquanto, a água do rio, o rio da leitura, que sabemos que tem que fluir...
Não pode parar de fluir...


FONTE 1 – ÁGUAS DE RIO

A leitura é um ato político. Sempre. Por mais que a gente não se dê conta disso. Nenhum texto é ingênuo, nenhuma interpretação é isenta de posicionamentos, por mais que nela não se levantem bandeiras ou se tome deliberadamente partido de algo. Ou se assuma um tom panfletário.
A leitura é um ato político, e político é projeto de inserção do sujeito. Não o sujeito manipulável, massa de manobra, mas o sujeito crítico.

PRIMEIRA DEFINIÇÃO
Programa de Leitura deveria ser um projeto (= processo) para formação, capacitação desse sujeito crítico e sua inserção (atuação) no mundo que o cerca!
Ler é sempre interpretar. Ler é posicionar-se. Ler é produzir sentido. E nada pode fazer sentido se não estiver associado à vida das pessoas. Se não falar de perto. Se não for fruto de uma necessidade.

PRIMEIRA CONCLUSÃO: um programa de leitura deve criar no outro a necessidade de ler.
Como?
Fazendo emergir a crença de que a leitura é um gênero de primeira necessidade.
Primeira necessidade é aquilo que mantém a gente vivo, que sustenta o corpo, que alimenta.
Como, num país em que se tem que combater primeiro a fome?
Lembro-me do poema “Apetite sem esperança”, de Elisa Lucinda:

APETITE SEM ESPERANÇA

Mãe eu tô com fome
eu dizia eu gritava eu mugia
minha vó zangada respondia
você não está morrendo e nem tem fome
Você tem é apetite
Você sabe que vai comer, aonde comer, o quê vai comer.
Fome não! A fome, minha neta,
a fome, meu irmão, a fome, minha criança,
é um apetite sem esperança.
Quando há certeza de cereais, toalhas americanas,
guardanapos e alegrias da coca-colândia
não há fome de verdade.
Minha vó já dizia pra mim um futuro de Brasil.
Com a fome das crianças brasileiras
forra-se a mesa, arma-se o banquete
dos que sempre tiveram apenas apetite.
A faminta criança foi apenas o álibi, o cardápio, o convite.
Desmamada ela cresce procurando o peito da pátria amada
uma banana, uma manga, uma feijoada
e a mãe pátria diz nada.
(...)
A fome gera a cilada de uma pátria de não irmãos.
A gente podia ter gripe, asma, catapora, bronquite
A gente podia ter apetite mas fome não.
Minha vó bem que dizia sem errança:
fome é um apetite sem esperança.

No poema em que a escritora Elisa Lucinda diz que a “fome é um apetite sem esperança”, eu queria propor uma outra visão: a da leitura como um apetite esperançoso. Suprida a fome da carne, a fome de leitura alimenta o espírito. Alimenta a fantasia, porque treina o nosso imaginário; alimenta o ser ético, porque nos leva a perceber as constituições dos sujeitos, seus valores e as conseqüências de suas atitudes; alimenta o ser psicológico, porque nos leva a viver, no plano da imaginação, os melhores e os piores conflitos, para que eles nos sinalizem, quem sabe, destinos; alimenta o ser histórico, porque através dele podemos compreender o nosso tempo, o nosso espaço, as relações que se estabelecem entre os outros; alimenta o ser social, porque entendendo a realidade e como nos inserimos nela, estaremos aptos a escolher as melhores ferramentas para a luta; alimenta o ser estético, porque estimula a resolução criativa dos conflitos, porque nos coloca em contato com diversas linguagens, sobretudo artísticas; alimenta o ser pedagógico, porque somos desde o princípio aprendizes, porque tudo o que nos afeta nos faz aprender alguma coisa, seja pela curiosidade, seja para lançar luz ao não-saber, seja pela emoção desenfreada; alimenta o ser cultural, porque coloca-nos em contato com sistemas de vida diferentes dos nossos, para que possamos integrá-los, de algum modo.
Uma política de leitura então começa em âmbito pequeno, circunscrita ao espaço mais imediato: em casa, na família, a leitura precisa ser um valor positivo; é preciso que as crianças vejam os pais lendo desde cedo; é preciso que livros ganhem espaço físico em casa, em forma de prateleiras ou estantes, e que se leia todo tipo de coisas: de revistas, à bula de remédio; de programas televisivos às receitas culinárias; de cartas à tela de computadores...
Na escola temos um nó da questão: a leitura está associada à Escola nesse país! E será que a escola tem uma política de leitura? Configurada num programa de leitura? A escola tem tido muita dificuldade em ver a leitura longe do exercício obrigatório e perto do exercício do prazer. Então, um programa de leitura, tem que passar também pela desescolarização da leitura. Pela prática da desobrigação do ler para escrever, do ler para fazer exercícios e responder questões em provas.
Quando é que chega finalmente a leitura para o sujeito inflar-se de coisas boas? A leitura acompanhada do prazer? Mas essa não precisa estar isenta de desafios! (Esse é um erro. Aquilo que desafia, na medida certa, e se colocado do jeito certo, é estimulante). Mas também é preciso que os livros estejam presentes em todos os lugares. Que se vejam pessoas lendo na praia, no banco, nas filas de espera, nas praças, em todos os lugares.
Um programa de leitura deve criar e promover, espaços permanentes de leitura... (ESCOLAS, BIBLIOTECAS, CENTROS CULTURAIS, MUSEUS, TEATROS, CENTROS COMUNITÁRIOS, CINEMAS, LIVRARIAS, SEBOS, ETC.)

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