terça-feira, 31 de agosto de 2010

A FASE adolescente: violência e liberdade em eventos de letramento - Solange Carvalho de Souza

No interesse pela literatura infanto-juvenil, encontramos um certo tipo de leitor com características específicas, de forma geral, vinculado à imagem.
Através de dados empíricos oriundos da minha experiência profissional na Fase com adolescentes em conflito com a lei privados de liberdade, especialmente utilizando-me do cenário da biblioteca Dona Margarida e, a luz de linhas teóricas sobre o estudo do letramento e alfabetização (Souza,2003), constatei um grupo diferenciado com preferências e atitudes mais infantilizadas.
O fato de boa parte desses adolescentes não terem vivido em plenitude a infância ou mesmo por se encontrarem nessa ambigüidade – ora criança, ora adulto que “Uma vez colocados diante da possibilidade de ouvirem ou de lerem histórias, costumam optar pelas histórias infantis; em particular, pelos contos de fada tradicionais e pelas histórias de animais como as fábulas” (Craidy 1998).
Entre um mundo menos letrado e outro mais infantil se substitui o texto pela imagem, ou se faz uma integração entre ambos, aguçando a curiosidade no momento da leitura. O significado é atribuído a imaginação, e nesse caso, quem desconhece o código alfabético, também se torna leitor. Quem poderia negar que uma criança de quatro anos que pega um livro iniciando um discurso oral não estará lendo? É a primeira etapa para a leiturização.
Durante os anos escolares, o trabalho em sala de aula deverá estar voltado para a construção de sentido, dando oportunidade de perceber a escrita como significativa. Isso deverá ter espaço principalmente na família, que deverá estimular a criança com hábitos de leitura de livros , leituras das placas das ruas, sinais de trânsito e interpretação de jogos. Caso contrário, futuramente o texto será visto por elas como um conjunto de “palavras” cujo significado não interessa; a leitura será vista como apenas uma decodificação dessas palavras.
A maior parte da nossa clientela, não vivencia esses dois eventos de letramento, um dado pela família e outro pela escola. Por isso, mesmo estando na adolescência, procuram os livros infantis com desenhos de animais, personagens de contos de fadas, ou heróis em quadrinhos, buscando uma identificação “infantilizada e heróica”, por outro lado, buscam também um nivelamento no grau de aprendizagem em que se encontram.
Levo em consideração a concepção da “zona de desenvolvimento proximal“ de Vygotski, onde esses se situam numa área não totalmente esclarecida nem conhecida. Conflitos e comportamentos problemáticos, falta de coordenações em atividades, podem ser interpretados como contradições internas entre as exigências de uma certa situação e os limites dos instrumentos e meios disponíveis.

Então, cria-se o novo, sempre mediado pelas específicas formas das interações sociais:

- Vou levá este daqui porque tem menos coisa pra lê.
(justificativa do interno a respeito do livro infantil com imagens coloridas).
Dentre a procura por livros coloridos contendo poucos escritos, um dos adolescentes escolheu “O pequeno planeta perdido”, para ser entregue em três dias, mas levou muito mais. Só conseguimos reavê-lo quando o adolescente já não se encontrava mais na Unidade.
Portanto, apresento uma outra história baseada na estória de Mino e Ziraldo, ou melhor, o adolescente através da fantasia íntima (Goffman, 2001) escreve a experiência de ingressar na Fase e conta a sua história sob as imagens do livro a seguir.
(as imagens do livro não podem ser publicadas, pois implicam uso de direito autoral)
O adolescente termina com a estória aceitando o final do autor. O interno concorda com a vinda da Rosa, a namorada do astronauta, pois o personagem de Mino e Ziraldo fez com que todo “mundo”, e um grupo de cientistas que viviam no planeta Terra, enxergassem que ele tinha necessidades básicas: alimentação, ocupação (com livros, por exemplo), e de uma companheira.
Interpretar a relação que esse interno criou, observando mecanismos que o mesmo buscou para comparar semelhantes vivências com a estória lida, significa que, procurou chamar a atenção de muitas pessoas, ou seja, dos personagens . Principalmente para pedir atendimento de um grupo de técnicos vivendo “noutro planeta”.
Implora subjetivamente, para que esses o livrem da ociosidade e da solidão que o aprisionam mais que as grades, e que encontrem maneiras de trazer a mãe ou a namorada para esse “interno astronauta”.
Essa comunicação expressiva e interativa é a mesma pela qual se partilham coisas simples, evidentes, saberes, informação e, que cada um conhece; é base de socialização como afirma Jean Hébrard.
Nessa perspectiva, acredita que a literatura infantil faz parte de saberes construídos pela escola e que os grandes textos como Pinóquio, Alice no país das maravilhas, e mesmo outros textos de nosso tempo, todos são grandes textos na cultura universal.
Hébrard afirma ainda que a presença da literatura na escola é uma coisa fundamental. “Eu preferia uma escola sem alfabetização e com literatura, do que uma escola com alfabetização perfeita, mas sem literatura. Porque não há problema de alfabetização com a mídia contemporânea, com o rádio, a televisão...”


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